A primeira vez

11:39


A esta hora, desfrutando do calor das minhas formas mais íntimas, das minhas curvas e profundidades mais misteriosas, da barreira tão pública e simples, o prazer consolidado me trouxe lembranças de outro dia, ainda há nem tantas luas atrás, da primeira vez deste desfrute comum.


Foi inesperado e bem vindo o peso sadio de pele, músculos e articulações, da insinuação tátil ritmada da carne ágil pelos caminhos que adentrou, por onde desbravou em carícias, caminhos nunca antes afagados por um homem. De aceitação, só pude, no calor da surpresa, ronronar aquiescente da ousadia simples daquele homem que, pela primeira vez em minha história, tivera o desprendimento de encher suas mãos com meus cachos, acariciando com a ponta dos dedos minha cabeça inquisidora, inquieta por saber que haverá de diferente neste homem intenso ou nesta mulher que, de dentro de mim, ouço agradecer, silenciosa, um gesto tão comum.
Era minha primeira vez no mundo das carícias por entre os cachos, e já tão ágil aquelas mãos não se detinham até achar-me a raiz crespa e seus rijos espirais em crescente. Estava surpresa de não haver surpresa alguma em lembrar que o cabelo era uma barreira que ninguém se propusera ultrapassar. Temi os olhares de quem pudesse ali, em público, ver-me e sentir-me entre surpresa e satisfeita de saber que entre nossos corpos a sintonia do incomum estaria no cotidiano. Talvez ele não soubesse ser o primeiro e só sorrisse muito por seu costume desconcertante de ser intenso desde os pequenos detalhes. Talvez só sorrisse muito por ter-me surpresa, quase recuando por uma fração de segundo da hesitação, quase aproximando sob o calor da vastidão da sensação simples. Talvez ele nada precise saber porque sinta tudo.
Inédito. Nem pelo amor piegas, que na adolescência tinha por suporte e companhia a efervescência dos hormônios do amor eterno e das juras cálidas, eu pude sentir desbravado esse terreno, que parece encantado de uma assustadora bruxaria de estética e desconhecimento, devoradora de quem se aproxime.
Nem na escola, mesmo se estivesse devidamente preso, entre as mais íntimas amigas, o ritual de tocar o cabelo ia além de uma avaliação rápida do tipo do cabelo ao tipo do uso de creme. Por outro lado, os cabelos mais longos, os cabelos que nos ensinaram mais lindos e melhores eram alvos das carícias e apreciações, desde os tenros dentes de leite, pelo tácito convencimento de que eram os merecedores e possíveis de serem acariciados.
Mesmo quando veio o politicamente correto e trouxe consigo os comentários elogiosos, os apoios afirmativos, a coragem ficou lá onde deve nascer em cada um e não veio sequer flertar com meu cabelo, despropositada e desinteressadamente que fosse. Por isso, eu que não sabia ser uma mulher pequena, de cabelos por entre os dedos das mãos largas, fiquei assim, cheia de pueril primavera dentro de mim, cheia do clichê das borboletas e girassóis a indagarem donde veio esta claridade solar que iluminou a noite.
Talvez ele não saiba mesmo da eternidade íntima que vivemos ali em público, entre amigos e transeuntes, em uma noite qualquer, insinuando-se febril no nosso primeiro verão.
Já não sei mais dizer do lembrar. Sorrio.

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