Diário de Bordo, Bordado a Bordô

Sabíamos de antemão que seria Santos. E também Almeida. Além disso, sabíamos que,se o mundo soubesse, acirraria-se em apostas de que seria a criança mais bela já nascida neste mundo, com pares idênticos, assim classificadas nos mundos paralelos que existam.

Por essa certeza de sua beleza, não descansamos na empreitada de nomeá-la como a mulher mais linda do mundo vivido no ínterim daquele verão.

A Andrêina que viveu nos fios negros e abundantes da beleza-boneca de Coraima Torres trouxe a nós, pueris e emocionadas, o mesmo frescor da novidade deslumbrante do seu nascimento de caçula desejada.

Não por acaso você tem essas maçãs cheias, os pequenos olhos amendoados de parcimônia e intensidade e a boca total, desenhada num exercício curvilíneo. Sabíamos da sua semelhança óbvia com tudo que movesse em nós a benquerença gratuita, a mão estendida por ensejo do gesto de cuidado. O que mais sabemos de Andrena?

Não muito além de sua doçura e nossas expectativas vãs, das quais você ri entre imprevisível e constante. Sabemos apenas dessas coisas clichês que se espera da criança mais lindo do mundo de um verão qualquer, eterno para nós

"Alguém disse alguma vez que só se morre, de fato, quando está morta toda possibilidade de ser recordada, quando não houver quem possa rememorá-la, mencioná-la. Em última análise, quando estão mortos todos os que podem dizer seu nome, recolocar no tempo a verdade de ter existido. É provavelmente desta consideração que deriva a glória imortal dos pensadores que vêem o tempo correr através das bocas cada vez mais distantes do seu ocaso."

Neste pensamento ateve-se provavelmente a tarde inteira enquanto chorava aos pedaços e silenciosamente aquela morte que chegava aos poucos, aniversariando a proximidade de sua morte a cada sepultamento, afagando seu ombro com a certeza de que faltava cada vez menos testemunhos de morte.

Deu-se conta, de um só golpe, velando o bem querer de quem queria, que já começara a morrer. Não apenas na veste daquele lugar comum, o que diz da óbvia contagem regressiva que é a sucessão dos dias. 

Estava morta na expectativa vigilante da sua chegada. Se mortos estavam aqueles que podiam dizer, por força do vivido, das semelhanças que tinha com seus ascendentes; Se mortos estavam aqueles que a esperaram na estrada por saber como se construiria a soma de um novo sangue à narrativa de seu nome.

Um supor, cogitar. Talvez viesse com o sol na ponta dos cabelos crespos, olhos graúdos e escuros, o jeito de rir com as bochechas beijando os olhos. E assim veio ela e mais uma, entre outros nascimentos, meninas ressabiadas e ferinas ao colo de sua vó-expectativa.

Perdeu-se naquele dia cinza, bem mais que a matriarca. Deu-se por perdido o tanto que viram seus olhos e o poder mágico dos antigos, de, no horizonte vão, olhar a vida, revendo no tempo o traçado do sangue que ora corre nos que nunca verão o que já se foi.

Morreu também o passado. O primeiro ou segundo ato da cena de cada um. Dissolveu-se o poder de rever, deixado apenas difuso pra de novo constituir-se na história que os olhos sabem por viver.

Ela viu as crianças. E sentiu que as mantinha vivas, na idade em que a vida conta que a adultez chegará de sua invencibilidade. Estarão ganhas todas as disputas e mantida a vida na lembrança ainda robusta daquela existência.

Uma tarde a menos.