Me ocorreu que é assim que o corpo pode ser comunicado dos novos planos: fechando os poros, selando minúsculas saídas de si.
Há pouca esperança que essa específica de mim pare de me acordar no meio da noite pra rascunhar-me.
Mas vale o que se tenta.
Acho que assim é que tecemos as amenidades que se lê nos rostos de casados e pais. Passando a borracha até sobrar apenas um baixo relevo da escrita passada. E assim escrevemos acordar, trabalhar, continuar, criar e morrer. Como pessoas normais, anônimas e sensatas, que fazem o mundo girar no que ele não se basta.
Acho que é o tempo da minha parte, de ensinar o corpo a caber na roupa da idade, na seriedade da tarefa.
Então, até 1° de janeiro.
Me senti profundamente traída. Coisas tão desnecessárias... e, por isso, cruéis.
Eu desejava pouco, apesar de ser capaz de grandes ambições.
O que me fascinava mesmo era poder tirar um talho do vermelho delícia da melancia e, com a mesma faca operar aquela esporádica mágica sensual, com a habilidade de trazer a faca à boca e num segundo distraído retrair a língua com displicência.
Pouco mais que isso, queria ser cúmplice dos olhares eloquentes que conversavam sugestivos acima de nossas cabeças.
E, talvez, de maior monta, só aquele desejo de estar sob a chuva de tarde, de chupar picolé de noite e provar das delícias que, num contato tímido, fechavam os olhos dos protagonistas.
Tudo sem prévia permissão. Improvisando como se a vida me pertencesse. E, de fato, ela me pertenceria. Saborosa e espontânea. Cheias de madrugadas e palavras.
Mas, eis que só retraio a língua na obediência à faca.
Como podem as desilusões trançarem-se aos sonhos?
Eu desejava pouco, apesar de ser capaz de grandes ambições.
O que me fascinava mesmo era poder tirar um talho do vermelho delícia da melancia e, com a mesma faca operar aquela esporádica mágica sensual, com a habilidade de trazer a faca à boca e num segundo distraído retrair a língua com displicência.
Pouco mais que isso, queria ser cúmplice dos olhares eloquentes que conversavam sugestivos acima de nossas cabeças.
E, talvez, de maior monta, só aquele desejo de estar sob a chuva de tarde, de chupar picolé de noite e provar das delícias que, num contato tímido, fechavam os olhos dos protagonistas.
Tudo sem prévia permissão. Improvisando como se a vida me pertencesse. E, de fato, ela me pertenceria. Saborosa e espontânea. Cheias de madrugadas e palavras.
Mas, eis que só retraio a língua na obediência à faca.
Como podem as desilusões trançarem-se aos sonhos?
Colou o ouvido à porta. Respiração suspensa. Ele tinha certeza que estava em uma posição ridícula de ser visto, com o corpo ligeiramente trêmulo e encurvado. Rezava - como se por rezar entendesse um desejo profundo - para ser apenas mais uma de suas paranóias, coisas que ela classificaria, como ela bem dizia, como insegurança de macho deslocado.
Contava os segundos com a parcimônia de quem não conta, mas dá passagem aos milésimos. Ela estava abaixando a calcinha, certeza! Mas isso sequer roçou o desejo que ele tinha nas entranhas e tanto cultivava. Pensava mil coisas e nada. E a contagem, a apreensão, um medo brando e certo de si.
Até que ouviu como se fosse uma sentença, uma marcha fúnebre, um insulto. Ouviu o som acintoso do líquido que se precipita do alto, forte e contínuo.
Ela havia esperado provavelmente horas por aquilo e, nem por isso, ela parecia ter cogitado se sentar. Nem pelo conforto no alívio. Nem por este motivo secundário, que bastaria por não poder ser desambiguado.
Era como um recado claro, um código simples e direto. Nem mesmo pela comodidade.
Ele tentou compreender. Mensurou uns 30 segundos de margem para justificar e perdoar, entre o tempo da limpeza e o de abrir a porta, mas, de repente, estava tão chateado!
Ela não confiava e não era parte, não pertencia. Seis meses e ela não pertencia. Os olhos enchiam-se. Inflou o peito, olhos fechados, estava para fugir. Mas ela irrompeu da porta e já tinha os olhos cravados na estranheza daquela cena.
Ele olhou calmamente para ela e os olhos ainda estavam cheios, brilhantes, molhados.
Ela adivinhou mais uma paranóia e leu uma seriedade alarmante nesta que agora se manifestava, a ponto de se precipitar nos olhos vidrados.
20 segundos e estavam certos que eles se afogavam. Só por isso, dali a pouco, estavam abraçando-se. Tencionavam salvarem-se, agarrar algo que ia na correnteza da circunstância.
Meu Deus! Era tão bom aquele amor quente e matinal, que hibernava nos domingos e feriados... a comodidade de sentimentos moderados!
Mas perdiam-se e tinha certeza. Certeza do fim.
Ela sorriu, solidariemente, apenas um pouco, assumia discretamente a culpa. Por isso esfregava os braços dele, dava-lhe coragem, pedia desculpas à sua passionalidade dependente. Ele só repetia com os olhos "você não sentou".
Doía já. Uma pena cortante daquele homem desolado.
Resolveu sair antes que a mãe dele os chamasse à mesa.
Seguraram-se pelas pontas dos dedos e acharam que deviam-se um beijo. Apenas uma despedida formal daquele caso natimorto.
Olharam-se ainda uma última vez. Desesperavam-se na busca derradeira de uma justificativa, um fio persistente, uma desculpa suficiente.
O amor mesmo, aquele dos livros, doeria tanto! E mesmo assim liberavam-se à multidão.
Sentado, sangrava, o amor era um descompasso.
Corria, doida, de repente e de novo, transbordava.
Era um fim.
Venho veloz na montaria calma desse bicho férreo.
Mas não me esquivo do costume estranho de olhar tua casa, entre as outras que a escondem na passagem rápida.
Faltou um pedaço da caminhada, do dia um terço, se passei em distração e nem de soslaio vi os indícios de que teu reino existe.
Não sei se a cama, se o laço, o riso ou traço inteiro de toda uma família, me atraem os olhos, obedientes e tácitos no costume estranho.
E ânsia chega, devargazinho, gritar seu nome, vê-lo passar. A sensação de compartilhar o ar, a cumplicidade da existência, a proximidade no momento célere em findar-se, como num encanto trágico.
Eu conto os pontos, peço a Deus uma parada no teu. Agradeço a oportuna coincidência de que grandes bichos parem reverentes à sua porta. Eu sou incorrigível no traçado do seu rastro. Aquela eterna dos contos idílicos, porque eu lhe sigo desde que existem amantes. Desde que se existe.
Mas não me esquivo do costume estranho de olhar tua casa, entre as outras que a escondem na passagem rápida.
Faltou um pedaço da caminhada, do dia um terço, se passei em distração e nem de soslaio vi os indícios de que teu reino existe.
Não sei se a cama, se o laço, o riso ou traço inteiro de toda uma família, me atraem os olhos, obedientes e tácitos no costume estranho.
E ânsia chega, devargazinho, gritar seu nome, vê-lo passar. A sensação de compartilhar o ar, a cumplicidade da existência, a proximidade no momento célere em findar-se, como num encanto trágico.
Eu conto os pontos, peço a Deus uma parada no teu. Agradeço a oportuna coincidência de que grandes bichos parem reverentes à sua porta. Eu sou incorrigível no traçado do seu rastro. Aquela eterna dos contos idílicos, porque eu lhe sigo desde que existem amantes. Desde que se existe.
Há guerras,
Partos e colapsos,
Guerrilhas,
A inanição e a crueza da desnecessidade da dor.
Como há dores imensas, intensas e nefastas, na frivolidade do cotidiano que prossegue, insensível às pequenas e grandes tragédias.
Mas eu, eu sento-me à presença da minha crença em Deus e me desfaço em pequenas lamúrias por nossas questões domésticas, pelo descompasso de ontem, pela coisa mais importante no mundo naqueles 5 segundos profundos.
Ainda que eu tenha sob os olhos o espetáculo sóbrio dos pequenos e bem acabados trabalhos, de dourar a manga espada para a redondez de um desejo de férias, ou para que os passarinhos venham.
E as poças, nas ruas duras, evaporando discretamente, em vãos, cantos e vias.
A tudo isso Deus se aplica múltiplo, necessário ou detalhista, onipresente, enquanto se desvela na cabeceira de crianças desalentadas observando o livre arbítrio.
E eu, que só sei de parcialidades dos folhetos noticiosos da história e da consistência do pão;
Que vivo meus pequenos dramas como o ultimato que foi dado a humanidade, mas que sei das promessas cruéis do futuro de nós todos, eu, apenas deixo-me ninar, fetal e mimada nas respostas às minhas preces;
Cantilenas doídas e dois dedos de Cortezano, caso haja sofisma nas minhas razões ressentidas. E a sobriedade vasta, meu Deus, a sobriedade devastadora como autoflagelo!
Eu rezo e rio, caudalosa e cristã. Estou chamando Deus, ao chá das minhas terríveis amenidades. Porque eu não sei amar sem juízo final.
E tinha esse cheiro de álcool, como uma nota dissonante do fundo daquele perfume convidativo, que atraiçoava com vulgaridade a sedução singela, educada.
Pressentia o esgar de vício no meu encantamento, quando o álcool anunciava sua existência.
Junto com o cheiro de folhas verdes intensas, da maresia do adeus do dia, era essa a máxima distinção e sofisticação a que se permitia mais um dos meu destreinados sentidos: seu aspergido cheiro da moda, sobre seu cheiro de virilidade adolescente, que eu só adivinhava rapidamente entre as brincadeiras de seus hidratantes com meu olfato.
"Bom viado" eu tinha ouvido dizer sobre você quando encobria a última luminosidade do sol que o esperava na esquina que lhe trazia pra mim. Nunca esqueci o dito diante da visão.
Mas naqueles dias você podia ser o que quisesse, se fosse meu. Se retornasse de todas elas com a súplica nos ombros caídos, jurando a eternidade dos nossos laços, a irresistível maldição que nos atava um ao outro.
Viado também se desejasse.
Pressentia o esgar de vício no meu encantamento, quando o álcool anunciava sua existência.
Junto com o cheiro de folhas verdes intensas, da maresia do adeus do dia, era essa a máxima distinção e sofisticação a que se permitia mais um dos meu destreinados sentidos: seu aspergido cheiro da moda, sobre seu cheiro de virilidade adolescente, que eu só adivinhava rapidamente entre as brincadeiras de seus hidratantes com meu olfato.
"Bom viado" eu tinha ouvido dizer sobre você quando encobria a última luminosidade do sol que o esperava na esquina que lhe trazia pra mim. Nunca esqueci o dito diante da visão.
Mas naqueles dias você podia ser o que quisesse, se fosse meu. Se retornasse de todas elas com a súplica nos ombros caídos, jurando a eternidade dos nossos laços, a irresistível maldição que nos atava um ao outro.
Viado também se desejasse.