A dobra da esquina me aflige, sempre, sempre. Que sou menina interiorana, mesmo cá na baiana metrópole, não há dúvidas. Gosto da calma suburbana, de seus gritos íntimos, dos cumprimentos que atravessam a rua para encontrar o vizinho de frente, em trajes de dormir na sacada recém construída. Gosto de sentar na porta, de aglomerar vizinhas, enquanto olhamos os menores tracejar toda a rua com suas brincadeiras tão antigas. Mas não se exime em mim o gosto pelo mundo, o fascínio pela porta total, por um portal que desconheço, que mesmo os livros não podem supor. Que me diz de costumes outros, a beleza de estranhar a terra.

Só de pensar uma saída da cidade encho-me de precauções tantas que, depois de checá-las, poderia mesmo era sair do planeta. Enquanto as roupas, as opções e as precauções entram na mala, minhas dúvidas saltam traiçoeiras e minhas suposições lógicas giram em torno de algum pressuposto que deve ser tão esdrúxulo, a ponto de parecer-me cômico. E deles, da lógica e seu pressuposto, só desconfio a natureza, pois, me amedronta investigar e lidar com mais este vazio depois do riso ante sua descoberta.

Não adianta, acho que levo no bolso uma metafórica carteirinha do bairro. Nunca tenho como tocá-la ou evocá-la, por isso, nunca sei das fronteiras que posso atravessar, dos países e espaços que se permitem ser adentrados por esta  minha identidade. Das mesuras e protocolos dos outros.

Acho que sob prisma algum eu sou cosmopolita. Não há chão, em terra ou peito, que me abrigue, de fato, familiar. Que irônico: uma estrangeira que mal pode evocar sua origem. Estrangeira de si para fora, carregando seu território débil, seu medo pueril das terras que nunca dantes, de forma alguma vistas, pôde pisar.

E como faço com esse germe louco que se insinua em cada fibra de mim? Um germe cigano que quer tragar o mundo usando por hospedeiro esse corpo que espreita, arfando, querendo, temendo, dobrar a esquina.

Como faço com meu pedaço de soberania?