A N O N O V O

20:17

Já se perguntou o que o ano novo espera de você?
Você vem com sua ânsia megalômana humana, e se é pra sonhar, então, nada menos que a mega sena ou o grande amor da sua vida nesse vindouro ano cheio de possibilidades para sua mente gananciosa.
E o ano, você sabe o que ele espera de você? O que ele espera assim, um tanto humildemente, de forma que na ânsia de suas mandingas, patuás e promessas incumpríveis você nem percebe que ele lhe espera pacientemente, como a séculos vinha esperando pelos seres humanos que lhe vivessem.
Ninguém pede simplesmente que o ano lhe espere com amor ou, mais ambiciosamente, com ardor. Ninguém que eu conheça.
O ser humano é a obra mais arrogante de todo o catálogo de Deus. Sem concorrência que lhe possa nem ao menos fazer páreo. Tudo está nas mãos destes reles mortais que procuram por todas as vias possíveis, e quanto mais celebrização melhor, flertar e adentrar com gozo à imortalidade.
Talvez seja culpa de como construímos a realidade e a quem entregamos o arbítrio do que lhe é compatível. Ciência e razão parecem querer desafiar o que nos impunha resistência, o que não se possa manipular, moldar, disciplinar. Nada contra e até tudo a favor dos avanços que nos permitiram toda o conhecimento que construímos, mas, contudo, todavia, entretanto e no mais, não sabemos mais exercitar a ponderada e inevitável impotência.
Não a indolência, a preguiça, inércia, o voluntarismo tolo e toldado pela ignorância.
A impotência necessária, de saber até onde se empreende o esforço, a labuta e, porque não, a briga.
Sentou-se num banco um dia, imediatamente depois de uma glória magnífica, sabendo já que beirava a morte, que não tardava ela vinha lhe buscar as forças. Exclamou então: "Tudo é dado ao ser humano conquistar e transformar, tudo." Passava neste momento um jovem, inebriado pela primeira conquista, ouvindo o glorioso moribundo falar, acreditou mesmo que era verdade, tanto que o expressava com ardor um sábio de vida adiantada.
Imagino que foi assim que um dia, em séculos idos que passamos a acreditar em nossa onipotência e tudo nos é dado conquistar e transformar. Ok, se estamos falando de minérios e curas. Mas na medida do remédio, a indiscriminada prescrição cavalar deu-nos a fórmula do veneno. E bebemos, já ébrios, tanto mais quanto suporta uma vida.
Acho que foi assim que ficou insuportável conviver com o diferente, esse ser que bem que podia ser conquistado e amestrado para simular nossos modos. Tão inferior que mal conseguia teatralizar o que já nascemos a fazer. E talvez sua indiferença à vontade de nos conquistar e submeter seja também uma fraqueza imperdoável, para nós, crianças do mundo que não temos limites, tampouco fronteiras.
E haja escapismos e causas corretas e consumíveis para dar conta de nossa ânsia conquistadora.
O que vocÊ quer do ano? O que você quer fazer, realizar, sentir, concretizar, ter?
O quê?
Sem a poesia primeira do impulso que nos fez desbravadores, conquistadores: lidar com o que nos vêm de encontro, encontrar uma nova maneira de caçar a manada que nos foge e mais do que com o gosto da vitória, temperá-la com as especiarias que descobrimos no quintal do mundo, distraídos entre uma conquista e outra, consumindo arte, vida e sangue de tantos outrens.
Entristece-me saber que estamos numa época desvariada, onde quem não sucumbe a nossa conquista e transformação indiscriminada está sob pena de morte. Não aceitamos de modo algum a impotência necessária: O outro.
O ano está ali, nos esperando pacientemente a séculos e enquanto ele não nos vem abraçar com expectativas, esperamos que os outros mudem. Que o governante seja mais reto e sensível, que diferentes se amem, que os vizinhos aparem suas arestas. Mas nossa expectativa só é uma espera enquanto não nos vem incomodar, enquanto a diferença nos agride e o desejo de que nossas virtudes de sujadores de vias públicas imbuíssem o coração de pixadores de áreas privadas nos arrebate o percentual de insanidade que vive em nós.
Aí então, há de se lavar com sangue e dor a honra das nossas virtudes. Isso graças ao fato de a gente sempre poder fazer mais, tocar ou dilacerar mais a vida outro que suja o muro bem pintado da minha calçada suja.
Voto sincero é um clichê sedutor para o fim de ano e nossa tendência mensagista, mas, sem o revestimento de polidez necessária à sinceridade quando se tenta exercitar um pouco de impotência que seja, meu voto grosseiro é de que esse ano, o exercício de uma certa impotência nos aponte novos caminhos.
E que, um dia, do dourado dos meus sonhos mais pueris nossa ânsia de onipotência não se frustre mais em mensagismos de fim de ano a pedir um pouco mais de impotência. Ou seria respeito?


UM 2O11 de amor e impotência,
não na mesma cama.

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1 comentários

  1. Adoreeeeeeeeeeeeeeeei o seu comentário
    que dia vc vai escrever de novo gostei muito, muito mesmo

    abraço e um grande bj

    julia

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