Oração do meu fim de dia

20:13

Pai,
Tenho visto o dissabor morar onde devia haver...
...Onde devia haver não sei o quê!



Nada dessas formalidades, dessa busca santa pelas palavras certas, tradutoras do inefável, do sagrado.
Minha oração de fim de dia é um banho quente, no qual se conjuga o santo sabonete, a adorável toalha, meu rito sagrado de negação das impurezas. Mais do que isso, meu banho é minha oração pela sensação de estar rememorando as horas do dia, o dia e o dia na vida. Por conversar serena com um Deus que ouve meus pensamentos ecoarem na acústica do antigo banheiro da minha casa de sempre, dos azulejos contornados pelos meus dedos quando menores, da casa paterna, da casa materna, da casa minha.
Talvez por isso, minhas orações, aquelas formais, com próclise, mesóclise e tradição só reverberem felizes no aconchego do templo ca[t]ót[l]ico de minha religião nutriz. Porque há lá meu senso de família e familiaridade, que me apaziguam no templo como no banheiro com suas respectivas águas bentas.


E se não costumo me afiançar em lugares comuns, não há como fugir-lhes para dizer que depois de um dia de caos só mesmo um banho que lave a alma me serve por oração. E então não pode haver dúvidas de que existe um Deus, e de que meu corpo se prostra nu a seus planos benditos. Frágil e requisitante de seu expurgar e renovar que há de ser água que se vai, levando a impureza da qual não se teve pudor de despir-se dos artíficios tão tipicamente humanos para serem lavadas, postas à prova e banho.
E o que sagrou meu batismo se não água, se não fluido?
Tinha tanto por orar que preferia uma banheira plena de água, de mim, de oração. Mas, em pé, como se fosse um simbólico ajoelhar-se, apaziguei-me com minha ritualística. Água corrente, que venha de cima, que trace todo seu percurso e que dos lugares mais íntimos só até lá se mova e só de lá saia, que se vá na medida em que já limpo seu pedaço a lavar, escorra, transcenda o ritual e reverbere em outros cantos.
Não será já uma reza?
Sabe-se lá. Sabe-se lá quantos banhos de quantas profundidades há se tornar para tornar sondável os mistérios que circundam a fé.


Acho que é reza. Sou Caótica.


Amém.


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