Confissões de uma mulher do século XXI – II

12:38


Dear Blog,

Há certas confissões que uma mulher do século XXI não deve fazer. E é aí que mora a sutileza: ela tem que fazer quando possível, só porque não deve. E de preferência no dia 08/03 de cada ano, quando a condescendência com os desabafos femininos atinge seu ápice, ou antes, a tolerabilidade cerimoniosa e politicamente correta, que é marca destes tempos, transforma a condescendência em aprovação pré-aprovada, mais fácil que empréstimo consignado para aposentado.



Dispenso gentilmente a condescendência, criteriosa ou pré-aprovada, certa de que há circunstâncias em que podem ser mais valiosas e mais bem dispensadas. Já me basta e contenta a consciência de que eu não deveria dizer certas coisas, e como já disse, neste caso, o não dever é em mais um convite ao feito do que uma restrição.


Eu não sou femme aux hommes.


Nem femme aux femmes.


E que me perdoe a língua francesa, da qual sou ilustre ignorante, sou femme aux moi, mulher para mim, mesmo.



E que me perdoe ainda, se há o que perdoar, Luiz Felipe Pondé, ou quem quer que escreva em seu blog, mas, como nordestina, além de não ser femme aux hommes, não posso, nem a quilômetros, ser tomada por representação dessas mulheres que sorriem mais para os homens, a despeito das feministas que, pelo que entendi, sorriem menos. E são feias, pelo que entendi. E são histéricas. E são_______________ (procure no Google e adicione aqui – Palavras chave: mulher, sexismo, patriarcalismo).



Aliás, como demonstra o ato de sorrir, quem tem boca torce-a como bem quer.
Como nordestina, baiana, e no imaginário coletivo, prima de Gabriela Cravo e Canela que guarda algum parentesco não esclarecido com Tieta e outros laços sanguíneos com Tereza Batista, se me faltam agora os hormônios da adolescência para um desabafo irascível, ao menos dou-me ao direito de rir dessas incorrigíveis tragicomédias que leio rede a fora.



E não é despeito. Apesar de eu ser uma lupenproletária da beleza, comum e suburbana, que me perdoem os esteriótipos, vivo feliz. Há umas tantas reclamações, uns tantos trabalhos para lidar com as melenas crespas, mas se não sou mítica como minhas parentas, nem esquálida com as models ou tchutchuca, popozuda, preparada, cachorra – pausa para o riso – há quem goste, e melhor, há quem aceite com todas as idéias.



Ainda que, em tese, eu tenha tantos “parentescos” e guarde também do imaginário que me cerca a tez azeviche uns tantos outros, estou que não posso rir mais que a média das mulheres brasileiras e, ainda por cima, se o papo é sobre mulheres estou mais à beira do pranto do que do riso.



As pessoas não se reservam à discrição para perguntar em quem votei na última eleição, quem é meu favorito no Big Brother e fazer uma crítica mordaz a quem quer que tenham sido minhas escolhas para essas duas perguntas.



A propósito, sim, eu votei em Dilma e meu candidato favorito que certamente não ganhará é o Pedro Bial.



(Bial, um beijo para você, nego.)



Mas se eu perguntar francamente sobre direitos das mulheres e cotas para negros... Ora, ora! Eu sou uma esquerdista radical com complexo de vítima inferiorizada. Nem canhota eu sou, mas só porque neste país se se nasce destra, pouco incentivo há para que se treine e desenvolva a esquerda. Ao que meus pais são exceção. Mas não sou irremediavelmente destra, aliás, por força dos mesmos hábitos, expedientes e cargas [e cargos], a destra já me dói e, não raro, é inutil. Ambidestra com sinceridade não dá pra ser, nem por infidelidade partidária, mas, confesso, vejo com carinho a esquerda e por minha vontade escreverá novas linhas, ainda que por caligrafia infantil.



De volta dos delírios políticos, também não me acredito com complexo de vítima inferiorizada, embora homens aos montes classifiquem minhas idéias de recalque de mal amada. É pena que, esta classificação rancorosa não possa me identificar como feminista. Não. Até então, eu sou apenas mulher, que o engajamento e a luta só podem se expressar em viver, na medida do possível, de maneira diferente.



A única coisa da qual podem seguramente me acusar é da prolixidade, vide este texto. Coisa que acompanha minha verborragia, outro pecado confesso que, não me deixa mentir, mesmo quando homens, puerilmente, acusam ser um mal feminino, eu não alego superioridade femina por rir condescendente de suas teorias como rio de suas piadas de corno.



Que os homens estão em redefinição de seus papéis sociais já me informaram tantos sociólogos e pensadores quanto eu pude ler, o que nem eles nem ninguém me informou até agora é o que fundamenta que um juiz não seja punido por menosprezar conquistas das mulheres, leis, debates, direitos e vidas, quando a ele se devia observar a lei com mais rigor, justamente por tão bem conhecê-la. Engraçado que nós, reles mortais sem toga, não podemos alegar desconhecimento da lei, tampouco contrariedade, mesmo sem na maioria dos casos ter subsídios para conhecê-la.



Evito falar de mina tendência à esquerda, de minha concordância com as cotas e de minhas restrições a certos discursos, mas só porque desta vez não devia, falei. Só porque se
aproxima o dia 08/03 e não quero que digam que me aproveitei das condescendências, do politicamente correto. Porque é assim que quero ensinar minha pretinha a ser: independente das condescendências, livre delas para ser o que quiser.

Essa confissão acaba aqui, porque eu quero e tenho mais o que fazer.
Aliás, como diria Voinha, “tirante meu pai”, homem nenhum me deu de comer, ser e estar, é por isso que tenho mais o que fazer pra correr atrás, de mim.



Até o dia 08/03 e parabéns a todas as mulheres.
Eu, já estou feliz. Em meu catolicismo controverso, adoro me confessar.
Adoro.

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2 comentários

  1. Nefer,

    Adorei suas confissões verborrágicas e prolixas. Elas levam para ares sempre dantes respirados por veredas nunca dantes sabidas.
    Você não é "femme come il faut", conceito de Balzac, que pode ser percorrido em "Estudos de mulheres". Nem como "il faut", nem como "il ne faut pas". Se ninguém te sustenta, é somente atrás de você que o rio elétrico vai.
    A propósito, o treinador, personagem de "Menina de Ouro", também adorava se confessar. Mas o que ele fazia mesmo era provocar e se explicar numa lógica tortuosa e humanamente maravilhosa.

    Continue se confessando.

    Beijos.

    Roberto.

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  2. Obrigadíssima!
    Como há anos não confesso mais com o padre, confesso-me por outras vias para poder continuar comungando...


    =D

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