Em, desejável, eterna Disritmia

19:10







Foi com Disritmia que comecei a reparar minha incômoda tendência a gostar de músicas que tinham algum tipo de apelo machista. Nada de vai cachorra ou novinha quero te comer. Em Disritmia um possível apaixonado pede que a amada venha logo, “vem curar seu nego, que chegou de porre, lá da boemia”. Depois veio Cater to you da qual tenho menos culpa ainda. Meu parco inglês, que só sabia sentir a vibração da música, não entendeu de pronto tudo que uma mulher apaixonada gostaria de oferecer a seu homem.
Meu cd de Martinho da Vila arranhou por culpa da minha compulsiva audição de Disritmia. Ela vinha em um pout-porry com Ex-amor, que durante meses me passou despercebida, porque eu sempre retornava a música ao início, sem dar a Ex-amor a chance de passar do prelúdio poético que Martinho recitava. Mas, sempre que lembrava de Disritimia as primeiras frases que vinham à mente eram a do apelo manhoso para o cuidado de um nego que acabara de chegar da boemia, ou de Martinho dizendo no início do pout-porry: “ Eu gosto de cantar os amores do passado, mas, primeiro, se canta para os amores do presente”. E daí eu podia ouvir mentalmente Disritimia tocando e pulsando em mim.
Um dia, o destino, a distração, ou bem talvez, a preguiça que se seguiu ao embevecimento da audição de Disritmia, me impediu qualquer movimento, e Ex-amor começou sem que eu a interrompesse. E ela é o que eu chamo de canto libertador, tal qual Dear Mr. President, de Pink.
Não ter chorado pelo meu pretenso amor impedia a identificação com todas as possíveis músicas de fossa. Por isto, música alguma, até então, podia acalentar as minhas lamentações. Bem mais que embevecimento e/ou preguiça, acho que a noção de que eu nutri um sentimento que desde sempre estava fadado ao ex-amor, disse-me que era hora de assumir que da minha disritmia não sobraria mais frêmito sequer, que era hora de sentir vibrar do fim do sonho que era Disritmia a verdade de um Ex-amor.
Pródiga em fazer as associações mais insólitas, nunca mais deixei de enxergar a oração e a prece como coisas muito maiores. Para mim, tudo que Martinho recita antes dessas músicas, neste pout-porry, é como uma pregação. É a Palavra em seu Verbo Amante fazendo-se ecoar, porque a razão primordial de toda Sua Palavra, para mim, é o amor. E há uma centelha divina em cada composição que nos sintonize com Deus. É assim que me sinto ouvindo a união dessas músicas pela singela frase de início de Martinho: sintonizada com Deus de uma maneira diferente, entendendo o amor sem dor, com poesia, com verdade, dengoso ou sincero, que quer “ser exorcizado pela água benta desse olhar infindo” ou de um ex-amor que, apesar de não ter chorado, admite ter sofrido e é nobre para, mesmo assim, acreditar que valeu.
Entendo a música assim, como um frêmito, uma vibração, uma entidade que por disritmia me põe em sintonia com o divino.



E para a Palavra eu sempre digo: Eis-me aqui, faça-se a tua vontade.

You Might Also Like

0 comentários

Populares

Like us on Facebook

Flickr Images