A parte que me cabe na partilha da ancestralidade

19:38





Parece comigo. Não os traços e os cabelos mais espessos que são mais escuros, nem o corpo que é bem mais cheio dentro de suas curvas, a despeito de ainda nem ser adolescente. São os trejeitos, a desatenção aérea, os momentos taciturnos, silenciosos que dão lugar a efusivas conversas, ao estabanado existir. Parece comigo para tornar mais perfeito o ato de ser filha, ou antes, de ter-se tornado filha, afilhada.

Eu a olho e sondo outros amores que também carregam meu sangue. A admiração pueril que eu sentia pelas primas mais velhas, o desejo de ver-nos híbridas em mim, materializou-se nela, no corpo que é delas, com as idéias peculiares análogas às minhas. Tem a mesma impáfia repentina onde não suporta a própria insegurança, os modos decididos só para não entregar as decisões nas mãos de outrem. Os mesmo ímpetos pueris de violência que se sabe incapaz de concretizar.
Já em seu primeiro idílio que se disfarça sob amistosa relação de amor e ódio imita minhas inseguranças, minhas reinações, minha impafiosidade desesperadamente serena e tímida. Pausa para o narcisismo deslavado: Garotos não resistem aos nossos mistérios...

Perdoei-me tanto as imaturidades e incoerências vendo-a existir sob meus olhos, desabrochar da timidez que é minha, para me fazer confidente de seus primeiros sobressaltos, escolhendo, como eu faria, alguém mais velho. Meus hormônios não me deixaram perceber o quão engraçada eu era, e que, não era a adulta que irrompia precocemente em mim que ao fim e ao cabo respondia por minhas ações. Era eu crescendo e já me crendo crescida, pecado tolamente narcisista que esta minha filha, afilharada não comete. Pelo contrário, se declara criança, criança, criança! Como se se agarrasse à infância, com a paixão católica que também já me arrebatou, contra os possíveis dolorosos pecados que ela imagina vir com o crescimento.

Seus valores me assustam, suas condenações a outrem de pequena carola, findam-se em conclusões quase sarcásticas. E, incrivelmente, posso dizê-la inocente, e o é. Boba. E vai descobri-lo quando crescer e revisar suas reminescências.

Perdoa-me tudo, condescendente que é, mas não deixa de, contraditoriamente, me dizer todas as suas interessantes opiniões que, não raro, me condenam em alguns modos e atitudes. Neste momentos, receosa, diz “calma, minha madrinha, não estou falando de você, você pode tal coisa porque...” e me explica por que estou acima, pairando imaculada sobre suas conclusões críticas. Mas não deixa de dizer. Ainda assim sua condescendência é doce, borda meus dias com carinho, acalenta meu coração de madrinha nova de menina grande.

Fico imaginando se não será essa a beleza de ser e sentir-se família: reconhecer a si e aos seus de uma maneira qualquer em um bem querer que lhe completa e a outros em uma tal comunidade. Penso como será aquela [aquele, meu Deus?] que sairá do meu ventre [sairá?]. Quem se verá contemplado em olhar seus olhos, seus trejeitos, seus motivos? Fitar seus olhos de alguém amado, dar-se conta de uma tal herança surpresa de um amor que se reexpressa. Como será acalentar nos braços, dar de comer e viver à parte que me cabe na partilha da ancestralidade? Foi assim que descobri que partilhar é acrescer. E crescer, vendo-se crescer em outrem.


Vamos agora dormir para dar limites à nossa tendência boêmia a seco.

[São 2: 42 da manhã do principiante sábado do dia 29 de janeiro de 2011]

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4 comentários

  1. Rs é tão interessante e sublime esse amor né? temos medo de ser espelho e cuidado por saber-se exemplo! como sempre muito bem escrito! vc vai longe menina grande crescida rsrsrs

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  2. Obrigada, Nananã!
    É um amor sublime sim... Daqueles que "edificam e dignificam"... rsrsrsrs...
    E que apaziguam nosso coração, não é?
    Ô delícia...!
    :D

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  3. Claudinha,

    Depois de algumas visitas anônimas, vim postar meu primeiro comentário em seu blog e me deparo com esse texto (inédito para mim).

    Aí me perguntei o que escreveria, já que você traduziu com exatidão esse amor tão certo, que não espera nada em troca. Ou, se espera, aguarda o tempo de se cobrar...

    Só me restou lhe transcrever:

    " Fico imaginando se não será essa a beleza de ser e sentir-se família: reconhecer a si e aos seus de uma maneira qualquer em um bem querer que lhe completa e a outros em uma tal comunidade".

    Não é em vão que se afirma estar na família o nosso maior aprendizado.

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  4. Luiza,

    Só me restou lhe transcrever:

    "Não é em vão que se afirma estar na família o nosso maior aprendizado."

    De fato. Esse é um dos aprendizados dos que mais nos exigem.

    P.S: Seja bem vinda e comente quando quiser!

    =D

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