E nada restou

08:10

    06  de outubro de 2020

 

Assim como você cingiu a fronte de sua campeã com coroa e as flores da sua puberdade; Assim como apenas em seu nome você se lançou aos riscos e cruzadas; Eu, por minha vez, esculpi minhas mãos adultas no labor de erigir o altar do meu afeto. Lá, onde depositei a certeza de sorte e benfeitoria de Deus e dos astros. De onde me levantei fértil e forte diante da vida, negando a sombra da minha sina, querendo mais que apenas existir. Ao pé desse altar deitei açúcar, canela, esperança e suor. Por força de dias que nascem e morrem, meu culto se tornou forte e sóbrio, um tanto calculado e assenhorado.

Por desatino da vaidade da virtude, pôde-se crer até que os cultos viveriam sob o mesmo templo, alimentando-se cada altar de suas oferendas próprias na acolhida do meu silêncio solidário.

Assim os anos se tornaram uma vida. Até aquela noite em que desvendou-se a bruma dos meus olhos e vi meu altar vilipendiado, escarnecido de escassez e menosprezo. Contemplei os sinais da profecia... Nada nunca bastaria ao seu culto além de estabelecer-se soberano e tudo mais destruir.

 

Implorei aos bardos por uma cantilena com que carpidar os dias da profanação. Assim pacientes e penalizados, buscavam em seus alforjes toda a sorte de bendições e bons sons. Disseram-me aos poucos: Vemos que não há ainda bastante destruição. Na agonia, seguramos as mãos, com silêncio honramos o cuidadoso trabalho da morte, dá-se à memória do cancioneiro o que já conhece não suspirar. Nem mesmo eles me puderam amar um pouco. É em silêncio que se paga o pecado de erigir um falso deus.

 


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