Brujería

12:20

Não sei com quem estou falando, mas desconfio que não é com o Deus cristão a quem me apeguei súplice nas noites intermináveis em que morri tragicamente.

Eu pressinto que você é uma força feminina e eu te invoco reivindicando algum poder esquecido em que só tomam parte as mulheres.

Os homens e seus pactos frívolos com o tal demônio... eles pedem poder e prazer. Glória. E solicitam que a contraparte de Deus suplante todos os desejos no caminho para servir-lhes seus desejos.

Eu queria apenas riscar o meu ventre com as minhas próprias unhas. E volver meus olhos ao céu procurando a sua força. Enquanto eu sinto a ranhura doer crescente, você, de onde quer que emane, dissolveria dentro de mim todas as palavras que ficaram por dizer. E nunca mais elas poderiam atormentar o meu sono ou precipitar os meus passos.

O desamor dos homens e suas imperícias não mais tocariam a minha pele. E a memória de haver adorado qualquer um deles eu deixaria no solo onde verteria minha última lágrima em honra ao poder concedido ao meu corpo.

Preparo-me à glória entoando cantilenas sobre não ter sido amada pelos meus homens ou cingida por seu apreço. Posso enfim dizer as palavras injustas que mutilei em alegorias vãs. Depois de curada ainda carrego este corpo com que lhes servi minha pouca valia. Meus passos, meus pés e meu fôlego não mais dirão dessas pequenas desgraças íntimas. Serei testemunho que caminha da Sua misericórdia.

Eu mesma me daria por animal de sacrifício. Em transe eu lhe ofertaria as minhas vísceras e as minhas urgências. E nunca mais elas arrastariam o vagar do Tempo da Vulnerabilidade. Eu suspiraria uma ultima vez à lembrança de ser tomada e preenchida e depois eu me banharia da graça de nunca mais sentir.

Senhora de mim, eu me dobraria à minha própria disciplina e só a você deveria honras.

Nunca mais burnir o altar de falsos deuses ou colher suas leviandades lancinantes. Eu me tornaria Imperdoável e estaria enfim apaziguada.

Eu queria a esperança de que as minhas mãos pudessem manipular magia e que a minha voz pudesse sobrescrever no sereno da madrugada encantos infalíveis de dissolução e apagamento.

Do contrário, eu preciso domesticar meu infortúnio todos os dias, empenhando tudo do meu viço nesse engenho inglório. E eles dirão, apiedados, que é triste estar acompanhado da minha melancolia.

Deusa, você me ouve?

Eu me apresento exausta para ser tocada e remida. Pequei contra mim. E desejo juntar todos os pedaços da minha história que lancei ao mundo.

Hoje mesmo morro de novo sem salvação.

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