De sua espalda brilhante

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Lembrava-se dos ombros discretamente encurvados dele. Cingido de uma invisível coroa hesitante, o peso da seriedade e de um tanto de incógnitas pesavam nos ombros e davam-lhe aquele ar de dignidade dos potencialmente justos. Era o que ela lembrava agora no manso do repasto doce, sob uma perna nua e possessiva, que trazia no enlace o indício de juventude robusta e da latência de um desejo encantado.
Ria sempre das epifanias tolas que tinha, quando sob a calma compulsória da fome saciada. Toda languidez ali, no que se chama cama, ensaiava-lhe palavras de clareza. Tudo muito simbólico e intenso, desde a mania dele aninhar-se desde os pés, buscando e buscando, exigindo e desenhando rotas. Abusado mesmo.
Sequer desconfiou quando ele veio silenciosamente com uma cavalaria destreinada e fagueira. Pensou que era circo e viu no elmo algo versado em poesia. Cores, uma alegoria triste, esmeraldas e caramelos a revezarem-se nas dóceis janelas. Leu errado. E, se pôs-se a correr para dentro de sua austera tenda, foi prevendo um espetáculo educado, de delícias ensaiadas e comedidas, mesa pra dois e um contrato sucinto. O beijo viria, um pacto breve. Coisas da civilidade, de um prazer polido.
Mas, havia lá uma tocaia toda, um pacto denso a reclamar sangue. E a cavalaria, empenhada em vencer, por força de algo puerilmente crédulo. Corriam todos os consolidados, doidos e intensos. E num beijo só, muito a beijava, até que a canibália urgisse no sangue. O holocausto do pacto, hastear-se-ia no estandarte da espalda dele, do ombro ereto, do queixo diretivo. Temos um homem, diriam. Sentiu dos quadris dele o recado mais bem dito de toda a ânsia de ser e fazer.
A tão só diminuta pele consumida, o preço e a posse, dada e comida, ofertada na bandeja negra de uma complexidade jovem... Nesse ponto ela riu. Não havia jeito de não rir das ironias da história assim contada, de jeito a forjar um vencedor estrangeiro no denso de seu terreno. Mesmo que se visse inundada,  das ondas que vinham do furor de uma ressaca, achando-a por quebra-mar do seu retornar e estocar, e infundir a onda e o espasmo por sua extensão rendida.
Eis que a calma cobra energia. Cantarola. Cantilenas bolerescas antigas, nina-se só, como sempre no mundo, sob uma perna possessiva e mãos que afirmam e buscam. Lalaiá... nina a roda do tempo. É novamente hora, enquanto gira o mundo.

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