Então, bom Natal. E amanhã a gente conversa

11:10





Este texto é clara corruptela de um texto de Sâmia Souza


Fora as críticas ao consumismo desmedido, à deturpação da data cristã, à hipocrisia patente e o mensagismo esperado, nossa conversa de Natal fica para amanhã, o famoso dia seguinte, provavelmente o dia 26. Entre a rememoração das dores e delícias das comemorações da data, teremos algo vivo em nossa rotina, desde um Cristo menino até uma ressaca moral pertinente.
Cresci na igreja dando as mãos em comunidade e repetindo como um mantra entre abaixadas e levantadas: "que Cristo cresça e eu desapareça". Sentido que nunca havia alcançado para além dessa mania católica do drama sacro, do suplício de entrega em favor de Deus e da religião, ao menos discursivamente. Mas, o "despareça" sempre foi um problema. Para além da morte, em vida, o desapareça, para mim, sempre conflitou com o crescei e multiplicai-vos.
Nunca havia contestado o crescimento desse Cristo que sempre enxerguei completo, pleno. Afinal, que Ele cresça em nossas vidas. Bem, hoje entre novas grafias e verbos eu repenso essa colocação. Em pleno Natal, mulheres agredidas, conflitos violentos, falta de respeito regadas a muita música depreciativa, eu me pergunto com meus recalques católicos: que fazemos desse Cristo menino, cheio de graça e do potencial divino, que nasceu de novo, ontem em nós? Dentro de nós sua figura inspira o cuidar laborioso, contínuo, desafiador desse religare com Deus no qual a religião pode ajudar.
E cuidar de Cristo não é fácil. Reportar-se a uma figura ideal, capaz ao máximo, Magnânimo, quando nosso espelho cristão diz-nos condescendentemente que somos mesmo irremediáveis pecadores. Imagine então ele criança, crescendo, ou querendo crescer a contento.
Daí pra frente, tudo depende. Depende de quem é seu Cristo, de como ele pode, de como você deixa Ele crescer em você e se, de acordo com você o Supra Sumo do Deus encarnado permite a segregação por cor, orientação sexual, filiação política e a justificação raivosa de toda a forma de segmentação e segregação sob Seu Bendito Nome. Se são mesmo, as mesquinhezas incoerentes e difíceis, as coisas imputáveis ao Maior Espelho da cristandade. E se essa incoerência básica pode fazer parte de uma tentativa sincera chamada religião.
E pensando bem, tudo isso é uma grande projeção do Eu, porque Eu é bem egoísta e tendenciado a sabotar, com incoerências básicas e cruelmente pueris, o religare. Então, que até a morte, o Eu desapareça mesmo, porque já dizia Voinha, a gente envelhece pra ficar sabido e ficando sabido tem que estar velho e mais lento, se não, faz merda. E que Cristo cresça e o Eu desapareça, na medida do possível, não para aniquilar-se, mas para apequenar-se a caber confortavelmente no Nós.
Mas isso são elocubrações cristãs.
A ressaca moral, que deveria ser também um exercício, ou melhor, um sintoma sincero cristão, serve a desinteressados e ateus e bastaria, na incredulidade frente à religião. Uma dorzinha de consciência, seu limite latejando e nossa conversa de amanhã pontuada pelos espasmos do corpo em rendição ao espírito.
Então, bom Natalício de Cristo, vamos dar nome aos bois. No caso de você não ser cristão, boa ressaca, tome todas e amanhã conversamos: eu, você, o mundo e os analgésicos. No caso de você ser cristão, boa ressaca, tome todas, quem sabe sentir dor em cada parte do corpo te lembre da pequenez da dimensão do Eu no mundo e lhe dê uma pista do que é espelhar-se em Cristo.
No mais, todos os sinceros votos você compra em 10 vezes sem juros ou simula na web.

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