Anjo Este entre Anjos Tantos

10:57


Para Thiago Castro



Fiz um post, que está inacabado, falando dos tantos anjos que encontro por aí. Ontem encontrei no meu computador uma carta inacabada para um grande amigo. Carta que nunca enviei e provavelmente nunca mais enviarei, mas que me fez pensar por onde esteve minha verborragia que não lhe disse umas tantas palavras...




Tive sorte e azar de nascer taurina, de ser assim, um ser gregário, mas que pode prejudicar esses laços pelas ruminâncias e implicâncias análogas às do bicho que empresta nome ao signo. Por isso, pranteio de dia as perdas dos amigos dos dentes de leite, brigo de tarde com os amigos dos dentes permanentes pelas mesmas velhas coisas e, de noite, rumino velhas e novas consequências, na esperança de acordar apaziguada.
Eu refleti, li horóscopo diariamente, fiz exercícios de aprendizagem de convivência e tive um par de incômodas recaídas, mas tudo isso, só depois de cicatrizadas as minhas feridas essenciais. Cortes bobos, dores adolescentes, arroubos ressentidos, mas que precisavam ser àquela época o fim do mundo perfeito, com todos os sinais do apocalipse, na intensidade boleresca dos meus anseios e frustrações.
Precisei cicatrizar uma a uma todas as feridas, vê-las sangrar quase como um prenúncio de morte por obra de meus dramas adolescentes, mas sem anjos, com suas trombetas apocalípticas, sem a face angelical ambivalente do caos, que apocalipse há de ser, ainda que simuladamente, verdadeiro?
Entre anjos tantos, houve um, que não sofreu das impermanências dos primeiros amigos, do enfadar-se com minhas fases, dos revezes tantos que só a vida pode inventar. Anjo este da cumplicidade de sarcasmos e conclusões, das confissões íntimas e intensas, do crescimento apocalíptico, das longas conversas virtuais.
Eu sou taurina, e um ouvinte atento e receptivo, me parece, bastaria, ainda que inerte e insípido. Mas a face ambivalente do Anjo do Caos, não era nada ambígua. Por condução de dureza franca ou por carinho condescendente, no caos ou na amenidade, era a beleza de um poder ser e estar autêntico, que me diziam que sem amor, as palavras e esta tal amizade nada seriam.
E o amor é uma prosa contraditória, com menos fúria com os amigos, é verdade, mas não se pode dizer que menos fúria seja mais tranquilidade, e que dos signos zodiacais e suas compatibilidades e, do balanço de qualidades e defeitos, menos fúria signifique mais garantias e menos caos. Nem este escrito é um tratado sobre amor na amizade.
Certa vez li que a frase da taurina que conjuga seu verbo essencial é "eu tenho" e acho mesmo que a apreensão de não ter ou perder procuramos apaziguar na ânsia furiosa de possuir, e inclua nisto as pessoas, pois é esta a causa mesquinha de nosso costumaz ciúme. Todas as pessoas que amamos são nossas, até que se prove o contrário e nos coloquem no banco dos réus.
Todas essas conclusões findam este exercício de falar na impessoalidade, de dissertar quando tudo isto está bordado a bordô com meu sangue boleresco e isto não é nada mais que uma carta endereçada.
É a meu Anjo, Este entre Tantos, que agradeço as feridas curadas, o cenário apocalíptico, de luxuoso auxílio para chorar minhas mágoas e crescer o pouco que foi possível. Com todas as dores de crescer, é dos poucos refúgios humanos permanentes que não é só dor ou só glória, é um bocado de coisa e a contradição necessária.
Já são desbotadas as desculpas pelos arroubos ciumentos, pela reivindicação de uma preferência que deve, que tem que ser natural; pelo fatalismo e pela recusa da ausência.
Mas só lhe oferto contradições, tantas quantas minha humanidade possa produzir, porque, hoje, só acredito em modalidades de amor que me aceitem desacabelada como acordo, sem pó, sem base, com as estruturas indecisas e este abrigar taurino que é de mim, para o bem e para o mal. Não lhe oferto imutabilidade do lado de cá, só um pouco de constância. Você sabe, preciso de permanências gerais para circular o mínimo que seja.



E nos mais, nos mais esta é uma carta inconclusa...

You Might Also Like

1 comentários

  1. Que Deus proteja essa amizade.. Que passem os anos e nunca esse bom sentimento de vocês. Vou confessar publicamente que me dá ciúmes as vezes.. Mas não posso negar que é uma das amizades mais lindas que eu já vi..

    ResponderExcluir

Populares

Like us on Facebook

Flickr Images