Bordado a Bordô

22:22

[26.03.2011]

Bordo desde os oito anos. Mamãe acha que mulheres, a despeito da independência e maturidade devem ser prendadas.


Esperava chegar a sexta feira e exagerava em bordô as cores do exercício de esperar. Por nada não amor, estava só com uma saudade doída, com meus braços vazios e com teus espaços mal ocupados. Assim, bordei-lhe, a bordô.

Bordando a bordô o seu nome, entreti-me em uma espera um tanto mais paciente dessa chegada que sabia certa, que sabia datada e que, talvez por tanto sabê-la possível, e de tão possível sob o acaso de ser impossibilitada, tivesse me enchido de tantas ânsias e cobrado-me à memória a lembrança e outras esperas tantas.

Bordava a bordô o nome do meu homem e só nos serve esta conclusão sob a declaração do peso sonoro e simbólico desta afirmação. E a despeito de rimarem as construções, torciam-se na linha de cada ponto, além da minha espera, uma tal docilidade, filha do meu estado, prima da minha impáfia cautelosa quando da sua presença. Senti-me diluída no tempo e espaço, flutuando entre costumes e debates e condicionamentos. Será que as minhas vestes eram deste tempo? Sentia-me sob anáguas e panos tantos imaginários e simbólicos, uma mulher ancestral, fêmea, docilizada, esperando a tal chegada, ainda que tantos passos me tenham trazido ao tempo do não mais precisar esperar.

Sob a desculpa plausível e abrangente do amor eu abrigava as justificativas do mimo que tecia com simplicidade, para o seu gosto e satisfação, como que bordando os tais limites que segredam ao mundo o quanto você é meu. Não há em mim culpa por debate algum que me tenha falado sobre domínio e servilidade, ainda que tenhamos nos presenteado com tão caros presentes quanto possam suportar nossos laços e valores. Ainda que haja entre nós uma entrega que, se não nos dá reciprocamente domínios, nos entrega uma tal responsabilidade robusta, e se esta não nos pesa, ao menos nos faz pesar as medidas que nos mensuram um para o outro.

E tudo isto é poesia de uma maneira bem singular, uma poesia sentada em meu colo, na serenidade que circunda o meu ato. Quis tê-lo por perto e se não pude por força das circunstâncias tratei de aprender com sua ausência. Mas quem dirá que há razão nas coisas do coração? Apenas uma semana se nos apresentava como hiato, apenas. E como se não fosse o bastante instaurar no meu cotidiano um drama próprio de quem está por ficar indeterminadamente perecendo de ausência, ainda consegui formular um simulacro de grandioso aprendizado pela dor.

Meus bolerescos sentidos não processam a justa proporcionalidade entre o tempo e o sentir. Você sempre soube disso.

E nem estas coisas são mais surpreendentemente, exageradamente dramático do que, ao fim, ter mesmo aprendido algo. E só pude porque bordei a bordô o meu singelo mimo, e enquanto vibrava nos meus olhos o rubro da linha, cada reminescência, cada sorriso que acolhia estas lembranças, cada pedaço que recordava de você adornava com meu sangue um tempo que se esvaía em uma nova construção, algo que se perdia em favor de um exercício de estabelecer e dar continuidade.

E assentada na descoberta deliciosa e divertida dos clichês que se confirmam, nesta contagem regressiva onde ganhar é em verdade perder e perder com alguma sabedoria, o tempo se foi e estamos alguns dias mais velhos, alguns dias mais sábios, alguns dias mais saudosos. Neste confessar que redunda e redunda só queria ter-lhe dito que aprendi a lhe esperar, a lhe namorar com parcimônia, com prelúdios e aprendizados, amando seus espaços, vazios e plenos, bordando-os e fazendo da sua chegada o ápice. Juntos estamos sempre em êxtase, em mais um clímax desse nosso enredo.

Sempre me perco em elocubrações verborrágicas, situacionais para enfim e em tudo dizer que te amo, ao menos há muitos ontens, hoje e nesta madrugada.


Até amanhã amor.

Até a próxima semana.

Até quando sejamos.

You Might Also Like

3 comentários

  1. Arrepios intensos! Só porque sei exatamente do que você fala. Só porque sei que esse amor é muito seu e muito de muita gente que ama - assim mesmo.

    Delícia de bordado, esse que a vida nos força a tecer e que, quando aceitamos as agulhas diversas, nos crava de felicidade.

    Você é uma linda. Sua linda!

    ResponderExcluir
  2. Tens bordado nossa história, essencial como tu és. Tens adornado com sorrisos as manhãs, enfeitado as singelas elegâncias do entardecer e quando chegada a afortunada sexta noite da semana é com teu brilho que guio meu caminhar.. Borda Minha Preta, borda com a airosidade que existe em teu olhar, pois nas linhas do teu enlaças no teu bordar escreverás a nossa história, a nossa doce história de amar.

    ResponderExcluir

Populares

Like us on Facebook

Flickr Images