Querido

16:27

Gosto dos presentes que são seus olhos pequenos na estrutura grande, sólida e racional que você é. Diante deles eu balbucio e entrego meu desconcerto apaixonado. 

De novo eu tenho 15 anos e te vendo ou ouvindo não sei dizer do meu bem querer. Engasgo palavras e me valho de insinuações, subentendidos e textos explicativos arquitetados com antecedência numa luta vã por não parecer ridícula.

Anteontem queria ter lhe dito como você fica especialmente bonito em sua pose profissional de homem sério, braços cruzados com sua polo cor de vinho. Quase pude sentir o cheiro da minha memória. Amarelo te deixa jovial e aberto, sabe? E o branco te dá uma amplitude máscula. Mas a imagem do meu pretérito-mais-que-perfeito é da sua camisa azul marinho, que me deu vontade de dizer como você é lindo, do meu desejo de beijar os seus olhos... E você nem sequer a usou de novo... é como as coisas são na vida.

Gosto de como seus ombros e sobrancelhas se movem pra expressar. Quando sorrindo muito, meio menino descontraído com os olhos fechados. E muito mais quando há um meio desalento, no momento em que ombros e sobrancelhas sobem, sua boca se contrai e tudo isso me diz um silencioso "entende?"

E eu queria entender porquê insisto em me deixar ficar se não acredito no futuro. Se eu não aguento. Se tenho vontade de usar ironias cortantes e denunciar seu utilitarismo prático, a bem explicada sustentabilidade do seu harém. Sim, querido. Seria um prazer usar as palavras erradas, espraiar leviandades. Na verdade, acho que gostaria de machucar um pouco e sentir que estamos quites. Que reclamei forra à minha vulnerabilidade, à minha desvantagem.

Mas eu fico pra ouvir as suas lisonjas e descrições esparsas de um futuro inexequível para nós, enquanto conjuro em silêncio orações de disciplina para os meus pés, esperando que por uma indignação qualquer eles me levem embora e a salvo. Mas, até lá, eu fico.

Porque quero estar ali pra lhe ouvir falar de Ana. Senti-lo desarmado e sem vernizes, derramando certa doçura, o tom de orgulho no relato de um novo indício de afinidade, de um novo feito e florescer. Ou para ouvir a sua voz gostosa defender a retidão de suas premissas, sua lógica simétrica e catalogar a desordem que o mundo apresenta. Fico pelos 5 segundos de bom dia e gentileza no aplicativo. Eu fico irremediável, talvez para presenciar e contemplar a habilidade dos seus movimentos silenciosos, enquanto você me cozinha e me lista entre opções simultâneas com a minha anuência contrariada e relutante.

E aí eu fico medindo a replicabilidade dos seus métodos, advinhando as quantidades, hipotetizo que todas nós suspiramos de nosso canto do mundo como tolas afortunadas. Eu rio um pouco, acho engraçado. Acho cretino e genial. Palestro aos meu sentimentos sobre como você age e assim espero educá-los por força da repetição. Planejo me alinhar, sorrir e acenar, Usar mesmo deste afeto para lhe dar exatamente o que é necessário para satisfazer seus planos e deixar que a mágoa surja enquanto escolho as palavras para sua carta de recomendação. Baby, serei - como é que você chama mesmo? - sua fiadora afetiva.

E por minhas referências você comerá metade da Bahia. Mais: havendo idade e vontade riste, cansados os limites do sotaque, conte com a minha polidez e controle para avançar viril rumo ao Oiapoque. De lá, se sobrar tempo, me ligue. Mando e-mails ou áudios bem pensados para que não se demore a varar distâncias comendo a gosto a caminho do Chuí.(Lembre-me de conversarmos sobre um carimbo de confere com a verdade).

Na volta, tenho esperanças de que você não me encontre. Cansada, de apetites adestrados, com meu espírito burocrata assoberbado de trabalho e enfadado da gestão do Brasil, terei vencido enfim. Afinal, sou uma mulher. Nem mesmo você entende mais do mundo das coisas práticas do que nós.

Por ora, olho de volta com palavras condescendentes para esses garotos fáceis que desejam ser predados por um clichê feminino. Presto atenção. Quero ver algo de você em que possa me fixar neles, que me faça beijá-los. Acho horrível que você seja ainda tão específico no meu afeto (são os olhos). Mas tenho medo do contato com a humanidade frágil e árida deles. Medo que nossos olhos se encontrem e comuniquem preterimentos, que a gente goze piedades e consternações. A vida é difícil.

Por ora eu me defendo transbordando palavras. Adolescida, caótica, incerta.

Enquanto escrevo ouço Supenso no ar e sinto frio. A voz de Mariana Baltar me comove. Estou viva. Sei por sua causa.

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