A caminho do trabalho

11:28

[21 de agosto de 2023]

Há cerca de duas semanas estava me dirigindo a um ponto de ônibus do Canela.

Havia apenas a moça que vende balas e um rapaz sentado, muito cansado ou muito lombrado.

Olhos baços, unhas, estado da roupa.

Dei um boa tarde e já sentei sem graça com aquele medo brando e a calculadora de violência a todo vapor.

(É preciso estudar a razão pela qual sentei ao invés de continuar andando até o próximo ponto)

Eu, muito compenetrada no papel de distraída que calcula, senti o peso do olhar dele enquanto reclamava para a baleira que estava com a garganta doendo.

Entendi que se conheciam. Então, ele era da área. Quem é da área, no geral, não faz estripulia em casa que o dono não gosta.

Senti que estava rígida e tentei ser gentil. "Eu tenho strepsil aqui, mas é pastilha, é ibuprofeno, pode atacar seu estômago".

Eu acho que eu soei ingênua sobre o que é um estômago diante da vida. "Oxe, eu tomaria é de qualquer jeito". Sorrindo, muito solto, olhando nos meus olhos de um jeito que você reconhece já aos 12 anos. 

O cálculo sinistro atravessou minha mente como um raio muito fugaz. E depois de uns breves minutos de tensão, disfarçando o medo num diálogo maternal sobre manter a pastilha na boca até o fim, em alguns minutos, fui abençoada com um ônibus.

(Corta pra manhã de 21 de agosto)

Entrei no segundo ônibus da manhã e a imagem dele me desanimou um pouco. A forma como pedia contribuições parecia ter uma possibilidade remota latente. Eu não sabia quem era meu oponente pior, o medo ou a culpa pelo conceito.

O convite à contribuição se voltou pra mim aleatoriamente. Tem uma coisa curiosa de alguns homens não me reconhecerem ou terem dificuldades de me reconhecer à segunda vista. Pareceu ser o caso. Mas franziu cenho, disse que "se eu não tivesse não precisava".

Me olhando, hesitou 5 segundos. E eu lutando pra aparentar naturalidade.

"Com todo respeito", muito sério e confidente.

Numa voz baixa de quem comunica num segmento de reta, que ele tá "na rua, maloqueiro, procurado pela polícia"...

Colheu minha mão direita, deu um beijo enquanto eu notava a postura algo solene dos ombros (curiosa essa dança).

(Houve 5 segundos de coisas inaudíveis por nervosismo, surpresa ou suspensão do ônibus confrontada pela meia urbanidade)

...e que queria "ter dinheiro pra ter uma mulher como você".

Estendido a 10 cm de mim como uma lisonja sobre estar à minha altura. Embora haja pelo menos mais duas interpretações possíveis, cortei da atmosfera essa inclinação.

Deixou duas balinhas de gengibre.

Achei triste, achei bonito.







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