A VIDA COMO ELA PODERIA SER

21:09

[29.OI.2OII]



Boleresca assumida, tenho andado esses dias a me entreter com os Nelsons, o Rodrigues e o Gonçalves. Ênfase no embevecimento que tenho pela literatura do primeiro. Com a inclinação que tenho para o drama, o trato da tragédia, dos vícios e dos pecados – no sentido mais católico que podem ter – em Nelson, o Rodrigues, me fascina. Além disso, tal qual uma criança aprende, às vezes, por associações pueris, minha mente insiste em reverberar em meus sentidos a nítida compreensão de que para mim o drama evoca o bolero. Daí, Gonçalves desde muito cedo cativou-me as sensações e, as tantas serestas às quais meus pais me levaram, ainda de colo, sedimentaram em mim, o que chamariam minhas amigas, de autêntica vocação para a fossa.

Poderia ter-me referido ao Trio Irakitan, que merece de mim o mesmo respeito fascinado e admirador, mas, a Nelson, o Gonçalves, só me permito ouvir quando já beiro as raias de algum pequeno desespero, quando de palhaça das perdidas ilusões já experimento a vida como uma perfídia particularmente tramada para mim. E olhe que sou feliz, que como todo dia, que tenho onde morar, minha casa não alaga, dizem que tenho lá um ou dois talentos – e dizerem é até mais eficiente do que realmente ter – e tenho quem me beije com ardor e me chame de amor. Todavia, vocação é vocação.

Sentada agora, em análise de minhas reminescências, enquanto pauso a leitura de A Vida Como Ela É, acho mesmo que tudo isso beija, de língua, minha criação católica. Beijou-a e deitou-a na cama de todos os desejos em segredo. E há poucas coisas mais católicas do que ler Nelson, o Rodrigues. Pois, nenhum desvio de padronizada conduta merece crédito, para ser mencionado em Rodrigues, se não estiver envolta de uma trama imbuída de pecado. E o pecado é a chave estrelada que abre o perder-se e a redenção. Aquele fazer inevitável que nos revela fracos, falíveis.

Quando me falavam dele, quando me proibiam assistir as adaptações de suas estórias para TV e cinema, eu supunha o esgar do pecado naquela possibilidade que me sorria, naquele entretenimento que me esperava crescer. E cultivava um sereno despeito pela maioridade, a poderosa maioridade que tinha liberdade pra assistir o pecado na TV. Todo silêncio que os adultos tentaram imputar aos assuntos que circundavam o pecado original e suas cópias criativas era de uma eloqüência instigante e afirmava sutilmente para nós que adultecer exige forçosa e estratégica entrada no clube dos segredos do pecado original.

Penso hoje, sobre a vida como ela poderia ser, sem as leituras furtivas, sem nossas adolescentes dissimulações do já aprendido, sem o descobrir no gerúndio cauteloso e segredado. Penso que sem isto não há como sentir o bolero com verdade, porque aí a vida não é uma prosa sincera. Perdoem-me os sonhadores, mas não acredito em quem viva em poesia, com decréscimo de crédito à poesia sacra. Quem não aprende a pecar, xinga Deus. E isto vai muito além do pecado original.v

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